Entre 1º de janeiro e 13 de maio deste ano, foram feitas 7.887 denúncias de estupro de vulnerável ao serviço Disque Direitos Humanos (Disque 100). A média de denúncias nos primeiros 134 dias do ano foi de cerca de 60 casos por dia ou de dois registros por hora, conforme reportado pela Agência Brasil.
Esses números poderão ser ainda piores em eventual aprovação do Projeto de Lei 1.904/2024 e poderá aumentar também o volume de casos de gravidez indesejável entre crianças e adolescentes, especialmente as meninas vítimas de estupro e que vivem em situações de vulnerabilidade social. O alerta é de movimentos sociais e de instituições que vieram a público repudiar a proposta que altera o Código Penal Brasileiro.
O projeto de lei, assinado por 32 deputados federais , equipara aborto a homicídio; e prevê que meninas e mulheres que vierem a fazer o procedimento após 22 semanas de gestação, inclusive quando vítimas de estupro, terão penas de seis a vinte anos de reclusão – punição maior do que a prevista para quem comete crime de estupro de vulnerável (de oito a quinze anos de reclusão). A legislação brasileira não prevê um limite máximo para interromper a gravidez de forma legal.
Retrocesso inconstitucional
De acordo com o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), o PL é inconstitucional, viola o Estatuto da Criança e do Adolescente e contraria normas internacionais que o Brasil é signatário.
“Representa um retrocesso aos direitos de crianças e adolescentes, aos direitos reprodutivos e à proteção das vítimas de violência sexual”, assinala nota do Conanda.
Também em nota, a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, lembra que “as principais vítimas de estupro no Brasil são meninas menores de 14 anos, abusadas por seus familiares, como pais, avôs e tios. São essas meninas que mais precisam do serviço do aborto legal, e as que menos têm acesso a esse direito garantido desde 1940 pela legislação brasileira”.
“A gente está institucionalizando a barbárie. A gente está deixando com que cada um haja com a sua própria energia, na medida das suas possibilidades para lidar com uma situação criminosa e que o Estado brasileiro está se recusando a equacionar”, acrescenta a advogada Juliana Ribeiro Brandão, pesquisadora sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado pelo FBSP, contabiliza que 56,8% das vítimas de estupro (adultos e vulneráveis) em 2022 eram pretas ou pardas; 42,3% das vítimas eram brancas; 0,5% indígenas; e 0,4% amarelas. A pesquisadora assinala o recorte racial e social do PL e pondera que quem tem possibilidade de custear os procedimentos para aborto seguro, no exterior ou mesmo clandestino no Brasil, “não vai mudar nada.”
Votação simbólica
A decisão de acelerar a tramitação é atribuída ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Em declaração à Agência Câmara, Lira disse que a votação simbólica foi acertada por todos os líderes partidários durante reunião nessa quarta-feira (12). Em regime de urgência, o projeto é votado diretamente no plenário, sem passar por debates nas comissões da Casa.
“É vergonhoso e um golpe contra os direitos das mulheres, da infância e da adolescência a manobra do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, ao colocar o PL em regime de votação de urgência. Ao impedir o debate público pelas comissões pertinentes e pela sociedade, Lira desrespeita os direitos de crianças e mulheres”, critica o movimento Me Too Brasil, organização que atua contra o assédio e o abuso sexual.
Em 2022, de cada quatro estupros, três foram cometidos contra pessoas “incapazes de consentir, fosse pela idade (menores de 14 anos), ou por qualquer outro motivo (deficiência, enfermidade etc.)”, informa publicação do FBSP, em 2023.
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estima que apenas 8,5% dos estupros no Brasil são relatados à polícia. A projeção do instituto é que, de fato, ocorram 822 mil casos anuais.
Mantida a proporção de três quartos dos casos registrados nas delegacias, o Brasil teria mais de 616 mil casos de vulneráveis por ano.
Fonte: Agência Brasil